Vingadores, Scorsese e a autoestima do jovem tuiteiro
Eu nunca fui um grande fã de filme de super-herói, muito menos um hater do gênero. Eu estava no espectro mais desprezível no mundo moderno da internet que é o de não ter lá uma opinião muito forte sobre alguma coisa.
Mas, desde a década passada houve um fenômeno que qualquer pessoa que não vivesse num iglu no Alasca — e possivelmente nem eles — acompanhou: Vingadores. Ou, de uma forma geral, o Marvel Cinematic Universe (MCU). São três filmes no top-10 de maiores bilheterias, incluindo o topo da lista com o último ato da saga, Vingadores: Ultimato (2019).
Além da sua indiscutível representatividade como ícone da cultura pop e a capacidade de criar um universo unificado e todas as revoluções tecnológicas que a franquia trouxe, um outro tema foi trazido ao debate na época do seu lançamento: o predadorismo nas salas de cinema.
Basicamente 80% dos locais de exibição do Brasil foram ocupados para que o filme passasse. Isso por si só levantou o debate de que esse tipo de mercado poderia minar as chances de filmes com orçamentos menores e sem formas de narrativa tão populares de chegar ao grande público. Ou pelo menos dificultar. Enfim.
Quem é Martin Scorsese?
Toda essa enrolação foi uma contextualização para finalmente dizer que, em algum momento, Martin Scorsese falou sobre o que achava da franquia. E ele reclamou. Disse, literalmente, que não considerava Vingadores cinema. Pronto.
Foi o suficiente para que fãs da saga levantassem hashtags, ironizassem a declaração e chegassem a insinuar, vejam vocês, que o diretor - vencedor de um Oscar e aclamado como um dos maiores de sua geração - estaria com um certo tipo de “dor de cotovelo”. A onda cresceu tanto que os próprios diretores do filme falaram sobre o assunto, num tom de ressentimento pela declaração. Todo esse linchamento em massa fez com que Scorsese fosse ao The New York Times para se explicar. Ele precisou se explicar. Precisava?
Enfim, a defesa do diretor girou em torno de que sua opinião nada mais era do que a representação do que ele entendia como cinema. Ele escreve, cria, dirige e vive o cinema na sua integridade. Não só o vive, como faz parte. Scorsese é o cinema. Com todo seu repertório, suas histórias, suas experiências e sua vivência de mundo, ele ousou opinar que o que ele via em Vingadores ia de encontro com a sua pessoal concepção de arte.
E sem entrar no mérito de que a opinião dele é certa ou não, o ponto é: ele não pode ter essa opinião? Ou até: quando nos demos tanta importância?
Quem somos nós no Twitter?
O Twitter é, de longe, a minha rede social preferida. Mas, por algum motivo, ela nunca atingiu o status de mainstream que o Facebook e o Instagram conseguiram, por exemplo. E isso faz dela ser o que é: um lugar mais nichado e com uma diversidade de pensamento que ora cai na concordância burra, ora na discordância extremista. Esse último caso é extremamente danoso, mas o primeiro também. E isso ficou claro para mim no caso Scorsese x Vingadores. Ou Scorsese x fãs dos Vingadores.
De onde tiramos a ideia de que nós, apenas jovens do Twitter, teríamos o direito de dizer o que Martin Scorsese poderia ou não falar sobre… cinema? Quando foi que a nossa autoestima ficou tão alta que a gente decidiu que a opinião massiva daquela rede social era a dominante? Se alguém como Scorsese não pode opinar sobre esse tema, quem pode? Nós?
E não estou dando um salvo conduto para que pessoas com currículos admiráveis falem qualquer coisa sem serem questionados. Mas que sejam, pelo menos, ouvidos. E isso não se aplica à ciência exata. Não estamos falando de um anti-vax nem nada do tipo. Estamos falando de arte.
E quantas vezes a gente não cansou de falar de arte sem nenhuma pretensão no Twitter? Quantos memes de Romero Britto, por exemplo, nós já fizemos? Se nós julgamos se a obra de Romero Britto é arte ou não, Scorsese não pode, sei lá, opinar diferente sobre o que ele acha que significa cinema?
Todas essas perguntas me levam a pensar em como tudo é tratado na internet, mas em especial no Twitter, que atingiu o status de ser meio hipster. É o lugar onde não estão todas as pessoas mas que é “a melhor rede social”. Um lugar meio exclusivo, onde a gente se junta pra se divertir mas, às vezes, acaba sendo blasé e um pouco arrogante. E durante os papos pode cair na armadilha de querer performar uma superioridade inexistente e desnecessária. Uma Rua Mamede Simões das redes sociais.