Por que os números da camisa representam o que representam no futebol?
Numa época em que o lateral-esquerdo tem como marca registrada a camisa 12, ou um centroavante joga com a 33, os números das camisas dos jogadores passaram a importar cada vez menos para identificar a sua posição em campo. Mas, não há muito tempo, era fácil saber a função de cada atleta só pelo que estava escrito às suas costas. Até hoje, é comum o treinador dizer que um time precisa de um nove para se referir a um centroavante, por exemplo, ou um dez para falar de um meia criativo.
Mas, por que os números representam o que representam? Olhando por alto, eles seguem uma ordem lógica crescente, mas logo isso se desmancha. O goleiro é o um, o lateral-direito o dois, a dupla de zaga no 3 e 4 e o lateral-esquerdo… o seis. O cinco na verdade é o primeiro volante, e o segundo (ou primeiro meia-de-criação) é o oito. O sete, que já deveria ter aparecido, é o ponta direita. O meia-armador é o 10. E se o primeiro jogador veste a um, o último não veste a 11. Essa fica para o ponta-esquerda, porque o atacante mais avançado tem a nove. E mesmo com mudanças de esquema, a base normalmente se mantém.
A falta de ordem pode parecer estranha e não-linear, mas ela fazia bem mais sentido na origem. A regra de numeração nas camisas surgiu na Inglaterra, nos anos 1930. Depois de ser usada em alguns testes, a Football Association (FA) colocou como uso obrigatório, em 1939. Para definir a ordem, usou-se de uma sequência bastante linear… para a época.
Embora a tática WM, implantada por Robert Chapman, no Arsenal, já fosse difundida, o padrão mais comum ainda era o 2–3–5, que por muito tempo foi considerado o jeito certo de jogar e que talvez seja o primeiro padrão tático consciente* da história do futebol. Então, ficou desse jeito:
*”Consciente” porque foi a primeira mudança de esquema com objetivo tático. A de recuar um atacante da linha de 6 ofensiva para ajudar nos passes pelo meio.
O tempo passou, os técnicos mexeram cada vez mais nos times e a numeração começou a fazer cada vez menos sentido com a lógica estabelecida. O oito e o dez já eram mais recuados no esquema WM. O cinco já tinha virado um terceiro zagueiro e o sete e onze eram pontas abertos. E as numerações foram variando no decorrer das épocas e dos esquemas.
No Brasil, na evolução do esquema WM, além do quarto defensor, os jogadores do meio foram colocados em diagonal, dando origem ao ponta-de-lança, o meia mais avançado, que futuramente ficaria tão próximo da linha ofensiva que o esquema receberia o título de 4–2–4. Esse homem na época poderia ser o 10, se viesse da esquerda, ou o oito, se viesse da direita. Como grande parte dos times preferia ter esse jogador do lado esquerdo, o dez é tradicionalmente o “criador de jogadas”, e foi eternizado por… Pelé.
Como a imagem mostra, o “dez clássico” que ficou no nosso imaginário, de ser o armador-cérebro do time, podia ser o oito também. Sócrates na Copa de 82 distribuía bolas a partir do meio como um autêntico dez, mas com a oito. Quem tinha a numeração do Rei do Futebol era Zico, que obviamente também construía jogadas, e até revezava com o Doutor, mas caía mais pela direita, embora não fosse um ponta.
Quando o 4–4–2 ultrapassou o 4–3–3 em frequência de uso por aqui, os pontas acabaram mudando o posicionamento e o sete passou a ocupar a meia-direita, enquanto o onze fazia a dupla com o nove. Mas com a popularização do 4–1–4–1, que em alguns momentos lembra o 4–3–3, e o 4–2–3–1 eles voltaram aos lados. Na teoria.
Na prática, as coisas foram evoluindo à sua maneira pelo mundo. Eusébio, craque da seleção portuguesa nos anos sessenta era atacante e jogava com a treze. Enquanto o nove era um lateral. Cruyff fez a sua marca na Holanda com a catorze. Cristiano Ronaldo construiu a carreira com a sete, mas do lado esquerdo, mesmo número eternizado por Garrincha, na ponta-direita e que ditou o destino da sete à posição no país.
Hoje em dia, há de se reconhecer que um número é uma marca. E assim ficou mais fácil de vender camisa, com numeração fixa. A 12 do Real Madrid, mesmo sem nome, é do lateral-esquerdo Marcelo. A 33 do Manchester City é do centroavante Gabriel Jesus. A mística da dez ainda continua para o “craque do time”. Messi no Barcelona e na seleção, Neymar do lado esquerdo no Brasil e no PSG.
Numerações tradicionais partiram de uma base, e evoluíram por diferentes motivos em cada país. Seja pelo estilo de jogo, ou por jogadores que eternizaram certas camisas. E por aí vai.