Por que os números da camisa representam o que representam no futebol?

Thiago Vieira
4 min readFeb 8, 2018

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Por que quando se fala em camisa nove logo pensamos num centroavante?

Numa época em que o lateral-esquerdo tem como marca registrada a camisa 12, ou um centroavante joga com a 33, os números das camisas dos jogadores passaram a importar cada vez menos para identificar a sua posição em campo. Mas, não há muito tempo, era fácil saber a função de cada atleta só pelo que estava escrito às suas costas. Até hoje, é comum o treinador dizer que um time precisa de um nove para se referir a um centroavante, por exemplo, ou um dez para falar de um meia criativo.

Mas, por que os números representam o que representam? Olhando por alto, eles seguem uma ordem lógica crescente, mas logo isso se desmancha. O goleiro é o um, o lateral-direito o dois, a dupla de zaga no 3 e 4 e o lateral-esquerdo… o seis. O cinco na verdade é o primeiro volante, e o segundo (ou primeiro meia-de-criação) é o oito. O sete, que já deveria ter aparecido, é o ponta direita. O meia-armador é o 10. E se o primeiro jogador veste a um, o último não veste a 11. Essa fica para o ponta-esquerda, porque o atacante mais avançado tem a nove. E mesmo com mudanças de esquema, a base normalmente se mantém.

A falta de ordem pode parecer estranha e não-linear, mas ela fazia bem mais sentido na origem. A regra de numeração nas camisas surgiu na Inglaterra, nos anos 1930. Depois de ser usada em alguns testes, a Football Association (FA) colocou como uso obrigatório, em 1939. Para definir a ordem, usou-se de uma sequência bastante linear… para a época.

Embora a tática WM, implantada por Robert Chapman, no Arsenal, já fosse difundida, o padrão mais comum ainda era o 2–3–5, que por muito tempo foi considerado o jeito certo de jogar e que talvez seja o primeiro padrão tático consciente* da história do futebol. Então, ficou desse jeito:

*”Consciente” porque foi a primeira mudança de esquema com objetivo tático. A de recuar um atacante da linha de 6 ofensiva para ajudar nos passes pelo meio.

O tempo passou, os técnicos mexeram cada vez mais nos times e a numeração começou a fazer cada vez menos sentido com a lógica estabelecida. O oito e o dez já eram mais recuados no esquema WM. O cinco já tinha virado um terceiro zagueiro e o sete e onze eram pontas abertos. E as numerações foram variando no decorrer das épocas e dos esquemas.

Já no WM as numerações não seguiam uma ordem numérica tão lógica

No Brasil, na evolução do esquema WM, além do quarto defensor, os jogadores do meio foram colocados em diagonal, dando origem ao ponta-de-lança, o meia mais avançado, que futuramente ficaria tão próximo da linha ofensiva que o esquema receberia o título de 4–2–4. Esse homem na época poderia ser o 10, se viesse da esquerda, ou o oito, se viesse da direita. Como grande parte dos times preferia ter esse jogador do lado esquerdo, o dez é tradicionalmente o “criador de jogadas”, e foi eternizado por… Pelé.

Esse perfil no Twitter mostra algumas visões táticas do Brasil ao longo dos anos. É, como o nome sugere.

Como a imagem mostra, o “dez clássico” que ficou no nosso imaginário, de ser o armador-cérebro do time, podia ser o oito também. Sócrates na Copa de 82 distribuía bolas a partir do meio como um autêntico dez, mas com a oito. Quem tinha a numeração do Rei do Futebol era Zico, que obviamente também construía jogadas, e até revezava com o Doutor, mas caía mais pela direita, embora não fosse um ponta.

Quando o 4–4–2 ultrapassou o 4–3–3 em frequência de uso por aqui, os pontas acabaram mudando o posicionamento e o sete passou a ocupar a meia-direita, enquanto o onze fazia a dupla com o nove. Mas com a popularização do 4–1–4–1, que em alguns momentos lembra o 4–3–3, e o 4–2–3–1 eles voltaram aos lados. Na teoria.

Na prática, as coisas foram evoluindo à sua maneira pelo mundo. Eusébio, craque da seleção portuguesa nos anos sessenta era atacante e jogava com a treze. Enquanto o nove era um lateral. Cruyff fez a sua marca na Holanda com a catorze. Cristiano Ronaldo construiu a carreira com a sete, mas do lado esquerdo, mesmo número eternizado por Garrincha, na ponta-direita e que ditou o destino da sete à posição no país.

Hoje em dia, há de se reconhecer que um número é uma marca. E assim ficou mais fácil de vender camisa, com numeração fixa. A 12 do Real Madrid, mesmo sem nome, é do lateral-esquerdo Marcelo. A 33 do Manchester City é do centroavante Gabriel Jesus. A mística da dez ainda continua para o “craque do time”. Messi no Barcelona e na seleção, Neymar do lado esquerdo no Brasil e no PSG.

Numerações tradicionais partiram de uma base, e evoluíram por diferentes motivos em cada país. Seja pelo estilo de jogo, ou por jogadores que eternizaram certas camisas. E por aí vai.

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Thiago Vieira

às vezes eu falo sério, às vezes não. geralmente não.